domingo, 8 de maio de 2011

Tributo as Mães e a Família Ferreira de Lima


A natureza com a sua infinita capacidade de criar situações as mais diversas possíveis, pregou-me uma peça. Imaginem leitores deste blog, que eu pertenço biològicamente a uma família que tinha, (alguns ainda têm), uma intimidade formidável e quase mágica, de trabalhar a madeira. A genética quis apenas que eu herdasse daquela família, tão somente a humildade, a retidão, o caráter e a simplicidade de colocar o coração na frente de tudo que me proponho fazer.

Como eu gostaria de ter sabido operar “um torno” de madeira tosca, desenvolvido e fabricado por mim mesmo, acionado mecanicamente pelo pé, num movimento cansativo de vai e vem, pra cima pra baixo. Com a ajuda de escopo (formão) eu teria me realizado, criando e fabricando meu próprio “pião” que, desde que fosse de pau de goiabeira, era “inlascável”. No jogo onde aquele que errava, deitava sua peça para ser atingida e levando “bicoradas” dos outros participantes até a entrada do “boi” (Um círculo feito no chão), onde os derrotados na refrega eram colocados para serem postos para fora debaixo de muitas “chapuletadas” como se dizia na época. Lascavam-se muitos peões, mas nenhum feito de pau de goiabeira. As pancadas de peões com bico de parafuso eram mortais.

Eu me refiro à Família FERREIRA DE LIMA, cujo patrono, João Ferreira, foi o mestre de uma plêiade de filhos, pessoas simples, simplórias até, aos quais delegou o dom de trabalhos em marcenaria. Creio que em Custódia e distritos, as famílias da época tiveram o primeiro guarda-roupas, a primeira estante, as camas, a cristaleira todas desenhadas e fabricadas por “Seo” João e filhos. Inclusive os meus pões.

BENEDITO, o mais refinado no trabalho artesanal da madeira, destacou-se dos demais, com uma atividade paralela sendo Pastor da Primeira Igreja Evangélica de Custódia. Mesmo com parca escolaridade, leitura claudicante, era detentor do dom de envolver as pessoas na explicação do evangelho. 

CÍCERO, mais turrão. Acho que por ser mais forte, companzudo, se encarregava de fabricar as pranchas, serrando manualmente toras de angico, baraúna, aroeira e umburana de cheiro, esta última, a preferida dos moveleiros por ser uma madeira bonita, macia e fácil de ser talhada. Era bonito vê-los trabalhar. A entrega dos móveis era a domicilio, e o transporte, a cabeça. Como não havia funerária, os irmãos via de regra eram instados a fabricar urgente, um caixão para alguém que resolveu partir de repente. 

O outro filho do “Seo” João Ferreira, (também João), não sei por que tinha um apelido estranho; JOÃO KAKI OITO, Se transformava numa fera quando alguém o chamava pelo apelido. Esse também trabalhava a madeira, mas era Expert em fabricar instrumentos musicais de corda. Violões, Cavaquinhos, Rabecas, fez até um Violino. Era craque na matéria. Foi o primeiro voz e violão de Custódia. Era muito solicitado para tocar e acompanhar com seu violão algum “bebum” apaixonado nas serestas das madrugadas custodienses.

Atualmente, todos residem em Arcoverde. BENEDITO estive com ele por ocasião da minha visita a Custódia, vive sempre emocionado e chorou bastante ao receber o meu abraço. Parece estar enfrentando um problema sério de saúde. Esclerose acentuada, talvez.

O CICERO, está sóbrio e conversamos bastante. Ocupa-se ainda fazendo alguma coisa relacionada à madeira. Um tamborete, uma cadeirinha… 

O JOÃO, desde que se acidentou, caindo do andaime de uma obra, vive numa cadeira de rodas. Está paraplégico. 

Como não tenho idéia quantos filhos compunham aquela família, vou limitar-me apenas a mais um componente. Os demais hão de entender. 

MARIA FERREIRA, minha mãe biológica, que hoje, 09 de maio de 2009, véspera do dia dedicado às MÃES, A ELA; “MESMO POST MORTEN” dedico esses escritos, como que me redimindo de uma omissão que durou anos. O porque dessa omissão envolve uma série de fatos de amplo conhecimento de todos da minha geração, citá-los seria cansativo, exaustivo e principalmente sem sentido. 

Minha mãe ainda menina, foi trabalhar como criada (por ser menor) em Arcoverde, na casa de uma família abastada e de sobrenome pomposo. Corria o ano de 1942. Num relacionamento infantil e naquela hora tido como inconseqüente, (até porque ela tinha 14 anos), com um dos filhos da casa, (que tinha 17,) engravidou, foi posta no olho da rua, porta a fora. Naquela época, moça engravidar fora do casamento era um escândalo. 

“Chegando de volta à casa dos pais teve o mesmo tratamento. ”Pé na bunda.” Não poderia ser de outra forma, porque aquela família, mesmo humilde, sentiu-se atingida nos seus dogmas de virtude e retidão moral. O poderio familiar/financeiro do outro lado, não dava chances a qualquer reparação. Família de sobrenomes extensos. Dignos de figurar em placas urbanas dando nomes a alamedas de cidades decadentes. 

Consta que diante do exposto, minha mãe seguiu o caminho da prostituição, até me parir, e numa madrugada chuvosa e fria, colocar-me recém-nascido, enrolado em trapos, na porta da casa de Zé Daniel e Laura Florêncio. Por esta atitude muitos a condenaram. Quanto a mim, pelo contrário, naquela situação, gesto mais coerente; impossível. Por isso, sou-lhe grato sempre e eternamente. 

O tratamento e a criação que me deram os adotantes, é de amplo conhecimento de todos. Portanto me abstenho de comentar. Seria cair na mesmice.

Mas, passados muitos anos, vou sintetizar a epopéia: 

‘PROCURANDO MARIA’. 

Já morando em Salvador (BA) assumi a Gerencia Regional de Vendas de uma Indústria Multinacional Americana, líder mundial na fabricação de Resinas Sintéticas, Colas e Adesivos, que com muitas fábricas espalhadas pelo Brasil, uma das quais ficava em Abreu e Lima. (PE). Numa das reuniões em Abreu e Lima, resolvi procurar Maria. 

Após a reunião, fui ao Alto José do Pinho, em Casa Amarela, era a única pista que eu soubera. Percorri todos os becos e vielas. Ninguém conhecia Maria. Quem “tinha uma vaga” lembrança, não sabia o paradeiro. 

Passados mais alguns anos, resolvi telefonar para a Rádio Clube, e relatei o meu desejo de encontrar Maria. Por sorte, num programa de boa audiência, um senhor chamado “MANOEL PIUTÁ” a quem eu gostaria de conhecer e agradecer telefonou para a rádio, dizendo onde estava Maria. 

Localizei onde estava minha mãe. “Morava” numa palafita. Num barraco horroroso, que quando a maré vinha no preamar, a água podre lambia-lhe os pés. Uma podridão insuportável vinda dos alagadiços de um bairro hoje urbanizado chamado Coqueiro Seco. 

Visão prejudicada pelas cataratas, um estado diabético avançado. Localizava as coisas tateando pelo barraco. Em contraste com o local, o barraco de Maria era de uma limpeza sem igual. 

Em consonância com os irmãos, transferi minha mãe para Arcoverde, que sob os cuidados da família, já sem aquele ranço moralista dos anos 40, passou a viver com decência. Até então houvera apenas sobrevivido. 

Aqui abro um parêntese, para agradecer a prestimosa colaboração de um médico e administrador do antigo INPS em Arcoverde, que coincidentemente vem a ser irmão do meu pai biológico. Sabedor de toda história, se prontificou a cuidar da saúde de minha mãe, providenciando para ela fosse operada da cataratas e monitorando o diabetes. Assim foi feito. 

A vida tem disso. Quando eu resolvi tomar “a atitude de ADOTAR MARIA” , pagando assim a minha dívida, involuntária, mas minha, acontece o imprevisível. 

Quando Maria já estava vendo quão bonito era o céu, a exuberância da natureza, a alegria das ruas, vendo o filho moleque feito homem, conversando com todos de igual para igual, indo ao banco sem precisar de procurador para receber os proventos de uma aposentadoria, eis que um Acidente Vascular Cerebral (AVC) a leva para o andar de cima.

Às fatalidades dessa ordem, dá-se o nome de coisas do imponderável. 

Hoje, MARIA FERREIRA DE LIMA, minha mãe, repousa e reina soberana numa gaveta do campanário de Arcoverde com uma placa de Granito Andorinha a identificar sua penúltima morada. Penúltima, porque estou em entendimentos com a família para transferir os despojos da minha mãe para o solo, aí sim sua última morada, e lá construir o mausoléu da: 

FAMILIA FERREIRA DE LIMA. 

EM TEMPO: Neste relato não faço maiores alusões ao lado paterno, pela insignificância que representa no contexto desta história. 

Fernando Florêncio
Ilhéus/BA (09/Mai/2009)

1 comentários:

Anonymous disse...

Oi Paulo.
Bem aventurada esta tua ideia de republicar casos e fatos de um passado não muito distante.
Só não revive o passado, quem não o teve.
Fernando Florencio
Ilheus/Ba

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