terça-feira, 14 de junho de 2011

Que não me sirva de cangalha


Por Carlos Lopes

Na minha imaginária pesquisa de opinião mais da metade da população brasileira tem medo ou nojo acerbado de baratas, ou até pior, as duas coisas juntas. Modestamente, sou parte dos combatentes pela excremação deste sinantrópico.

A bem da verdade, o meu ¨caso¨com as baratas vem da infância. Se tivesse que atribuir herança, cairia nos ombros da minha mãe. Esta, nem dorme se souber da existência de uma marrom lá em casa. Já meu pai, não tem o menor receio e a caça é uma barbada. 

Porém, tem um porém. A existência desse inseto determina aonde devo ou não me alimentar. Aos sete anos de idade, em Pelo Sinal, vi duas baratas circulando em torno de uma panela no fogão. Minha querida avó paterna viveu ainda uns quarenta anos e jamais pus na boca qualquer alimento que viesse da sua casa. 

E daí? Você deve está se perguntando! Um montão de gente na tal estatística imaginária se comporta de forma igual ou semelhante. O diferencial são dois, devo citá-los: Em hábito gregário logo farejo se um lugar pode ser ou não propício a existência delas. ¨O Sr. tem tantos anos no Recife e pouco aproveita a diversidade da culinária local¨, disse-me certa vez uma sobrinha. 

Já a segunda razão, esta sim, é o motivo desta matéria. Acreditem! Elas, aquelas coisas achatadas dorso-ventralmente, numa determinada época foram as minhas melhores amigas. Compreendeu? Vou dar uma pala: Se vejo uma barata a fome passa, mesmo que seja num trajeto a quilômetros do lugar onde pretendo fazer refeição. Mas, vou contar como o caso foi, começando do começo. 

Nos rega-bofes do fechamento da Casa do Estudante de Custódia no Recife, eu que já tinha a pior mesada, fiquei mais lascado ainda. Perambulei pelas mórbidas pensões da Boa Vista. Enfim, todo dia havia de arranjar o dinheiro da janta, seja a sopa num mosqueiro do Pátio Santa Cruz ou um misero sanduíche Americano servido num treiller instalado próximo a Lojas Americanas, no centro. Na maioria das vezes, após sair da Católica, ia comer o tal sanduba e depois seguia pra pensão na rua Visconde de Goiana. 

É aí que entra as baratas. Por circunstâncias particulares e já expostas, só dava pra comprar um sanduíche que vinha acompanhado de um copo de guaraná. Tentando fazer o sanduíche render, mordia o equivalente a um centímetro e inundava de maionese, outra mordida e novo recheio compensatório. Saia de lá com mais fome que antes. Foi aí que surgiram as baratas em minha vida. Certa vez ao levar o jantar a boca ... uma enorme barata bem ali a minha frente. Estava bem paradinha na carenagem do utilitário. Parei de degustar e sentir a fome se esvair. Joguei o alimento na lata e me danei pra casa. 

Dias depois voltei determinado. Fiz o pedido e procurei alguma barata. A partir dalí funcionavam como inibidor alimentar. No dia que eu comia olhando alguma delas, chegava em casa, tomava banho, estudava e dormia sem sentir fome. Na verdade, as minhas baratas ou as baratas que me ajudavam, normalmente apareciam expostas no pneu do treiller. Porém estavam em todo lugar, somente uma questão de dá uma lambida em volta com o olhar. Outro dia fiquei a pensar, elas realmente existiram ou foi fruto da minha imaginação? 

Publicado originalmente: Blog Famílias Lopes & Santos

1 comentários:

Anonymous disse...

Reportando-me ao contido neste belo
relato, me detenho sobre o asqueiroso inseto. A barata.
Morávamos, Eu e Pedro de Da.Izaque numa pensão imunda na Rua Barão de Itapagipe, na Tijuca no Rio de Janeiro.Tempos difíceis.Conosco por algum tempo, também Fernando Carneiro.
No quartinho, apenas duas camas. Então,em sistema de rodízio,cada noite, um ía para o chão.
Os dedos dos pés de Pedro, vez em quando apareciam roídos. As baratas adoravam o calor e o "cheiro bom" dos nossos sapatos. Pela madrugada, levantando para ir ao banheiro, ao acender as luzes as bichas mais pareciam bólidos de fórmula um.
Assim, aquele que fosse para o chão, dormia com um "cordão de isolamento" de pó de broca (Inseticida BHC)ao redor do colchonete.
As baratas na corrida, se chocavam com o "guard rail" de BHC e aí viravam de pernas pra cima. Na primeira vez, amanheceram mortas na barreira de veneno, 27 baratas.
Ainda assim, tem gente que só vê a cachaça que a gente bebe. Nunca vê os tombos que a gente leva.
Fernando Florencio
Ilheus/Ba

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