terça-feira, 18 de outubro de 2011

Rios da minha vida


Por José Soares de Melo

Do alto do prédio onde moro, gosto de contemplar as águas mansas do Rio Capibaribe. Uma vasta lâmina prateada, com leves ondulações, um barco solitário na manhã que promete muito sol completa o cenário que mais se parece do interior. Na calmaria do horário de um sábado, quedo-me a recordar outros rios que passaram em minha vida.Foram poucos, mas alguns ficaram enraizados na minha mente. 

Antes do Capibaribe, tive o Riacho Custódia, com água apenas no período das chuvas. Grandes cheias que devastaram ruas e casas, levaram cercas e até mesmo ponte. Quando criança, ficava absorto na ponte da Bomba, olhando a força das águas arrastando plantas,madeiras, tudo o que encontrasse pela frente. 

Bem antes ainda, passou um rio em minha vida, cujas lembranças ficaram marcadas na mente da criança que fui, no Bairro do Lavapés, na cidade de Capivari, no interior de São Paulo. Era um rio perene, caudaloso, que cortava a cidade, atingia o Bairro de Lavapés e invadia os canaviais que sucediam à cidade. 

Quantas vezes não fui fazer o rio justificar seu nome, lavando os pés em suas águas, nas proximidades de uma passagem de nível do trem. Nesse local, era comum juntar as crianças para brincar nas suas águas, quando não ocorriam as cheias. 

Foi nele que realizei uma aventura que me custou algumas chineladas de minha mãe: certa feita,peguei carona em um dos barcos que conduziam trabalhadores para o corte da cana, e depois de algum tempo, chegando em casa recebi o corretivo. Também pudera: com pouco mais de seis anos, minha peraltice rendeu grande apreensão na minha mãe. 

No entanto o rio efetivamente mais me marcou, hoje não existe mais. Pelo menos no local em que eu costumava brincar, tomar banho, pescar piabas – com anzóis, ou com uma garrafa emborcada, com o fundo quebrado e com farinha que servia de isca. As piabas entravam e não conseguiam sair, sendo depois espremidas – para tirar as vísceras, salgadas e colocadas ao sol para secar. Nada mais gostoso que essa iguaria frita, sequinha, salgada. 

Falo do Riacho da Marreca, nome do mesmo riacho que se chama do Quitimbu, e que na região da Cacimba Nova deu lugar a Bacia do Açude Marrecas, sepultando assim uma boa parte dos locais onde vivi meus melhores dias na infância. 

Nas grandes cheias, o Riacho criava redemoinhos na correnteza, provocando a escavação de poços fundos, cujas águas givaram com velocidade. A meninada se divertia pulando no “remanso”, como chamávamos, e sendo devolvidos pelo mesmo, que nos jogava a uma boa distância, porém dentro do rio, ainda. 

Passado o período das chuvas, o riacho secava. Em vez de lugar para brincadeiras da meninada, passava a ser o salva-vidas da população e dos animais. Com a falta de água nos barreiros, eram abertas cacimbas para retirar água de seu leito para o consumo e higiene da população, e mais distante era escavado um bebedouro, para saciar a sede dos animais de criação. 

Máquinas para abrir poços ou bebedouros era coisa inexistente. Recordo que a areia retirada da escavação era conduzida em cima de um couro de boi, e puxada por uma junta de bois. Só muitos anos depois é que a tecnologia chegou, com máquinas que abriam bebedouros em poucas horas. Recordo perfeitamente que isso ocorreu na década de setenta, na gestão de Luizito frente à Prefeitura, que requisitava tais máquinas ao DNOCS, e cedia aos pequenos agricultores para abertura de poços ou bebedouros. 

Esse pedaço de rio que não mais existe, é exatamente o que mais está vivo dentro de mim. Jamais se apagará de minha memória as brincadeiras, os banhos, e até mesmo as viagens perdidas que fiz, da cidade até suas margens, sendo impedido de atravessar o mesmo, devido ao volume das águas. Aquele pequeno pedaço de riacho teima em continuar vivo dentro de mim, mesmo quando estou contemplando a imponência de um rio permanente, famoso, cantado em prosa e versos pelos Recifenses: o conhecido Rio Capibaribe.



3 comentários:

Anonymous disse...

Zé Melo.
Sempre imaginei que sua família tinha vindo da Cacimba Nova para estabelercer-se comercialmente em Custódia.Lembro da sua "Venda"logo após Zezito Cajú, subindo a praça, visinha a "Banca de Bicho" de Antonio Mata-Verde.
Vçs estiveram em Capivari antes ou depois de Custódia?
Se vç foi "boia fria" na dureza do corte de cana no sul, coloque isto no papel. Seus filhos um dia lhe cobrarão.Zé vç tem história.
Abração.
Fernando Florencio
Ilheus/Ba

Anonymous disse...

Fernando:

Efetivamente somos da Cacimba Nova (vide texto sobre esse local). Tanto antes, como depois de morar em São Paulo, meu pai foi comerciante em Custódia. Na década de cinquenta, com uma pequena Mercearia na Av. Manoel Borba. A sêca o fez arribar para "Sun Paulo", e o resto da família foi para a Serra da Velha Chica. Depois, ele nos levou para Capivari, onde moramos dois anos, meu pai era vigia de uma obra, mas morávamos no Bairro do Lavapé, no inicio do canavial.Voltando a Custódia fomos para Cacimba Nova e daí para Custódia, novamente, onde vc. conheceu a "Caza Santo Antônio", onde tinha de um tudo.

J.Melo

Anonymous disse...

Pois é "Mermão".
Tem neguinho (e branquinho também) que só vê as "cachaça" que a gente toma. Mas nunca vê os "tombo" que a gente leva.
Fernando
Ilheus/Ba

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