quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Inha um doce de papagaio - Carlos Lopes


Nas festas de ano novo, costuma-se compartilhar bons fluídos e também, escancarar atos contidos de possível redenção.

Neste fim-de-ano encorpada ou não no espírito natalino, quarenta e um ano depois, a minha genitora resolveu abrir o seu o coração. Contou-me como sucedeu o desaparecimento do então papagaio apelidado de Inha.

Eu tinha apenas dez anos de idade quando Seu Amelino, um fazendeiro da região do Riacho do Navio, trouxe o presente e o entregou nas mãos da minha mãe, sob meu olhar festivo.

A ave da família psitaciforme ainda era muito pixotinha a ponto de carecer de cuidados, estes vieram anotados num papel amarelado e entregue junto com a ave de penas multicores.

Os dias que se passaram, foram de cuidados e atenção quanto à alimentação e proteção do novo habitante da casa. Com o passar de alguns meses, nem foi necessário exames de DNA ou laparoscopia para saber se tratar de uma fêmea.

Ela, a Inha, tinha bicos pequenos, peso levemente inferior a um macho e, sinceramente, não lembro se falava alguma coisa.

E por falar em macho, Seu Amelino, a pedido da minha mãe, caça em sua fértil região um outro louro. Este sim, macho todo! Mas, tem um porém: Na dúvida, minha mãe pediu para que já trouxesse um ¨bicho¨ criado e já falando.

A decepção, digamos assim, dos meus pais com Inha, não se deu pelo fato dela não falar ou destambocar as paredes da casa. Diria que foi na fracassada procriação, onde não lhe faltou um tronco oco de árvore, um verdadeiro ninho natural de reprodução.

Não sei se foi pela afeição a uma só pessoa, no caso meu pai, o fato é que o louro macho foi doado a minha avó e mudou-se para Tabira, onde continuou a bicar quem se atrevesse a encurtar distância.

Quanto a Inha, não. Esta não falava, é verdade, mas adorava se exibir e deixar alisar seu dorso ou ser alimentada na mão. Mas não era só isso, substituía em algumas brincadeiras qualquer menino da rua onde moramos.

Nessa época, a minha cidade Iracema, estava sendo ladeada pela chegada do asfalto, e logo ali, pertinho de nós, estavam acampadas três construtoras. Aquelas máquinas, caçambas e peões nos inspirava a construir nossa ¨firminha¨ de carros de brinquedos.

Inha, minha doce fêmea, substituía o melhor dos ¨cassacos!¨ Afinal, a oferta era maior do que a procura. Os meninos da minha rua davam preferência a brincar em quintais de terra batida, o que não era o caso lá de casa.

Além de se divertir embalada na carroceria da minha caçamba com suas asas abertas, Inha ainda dormia sobre minha barriga e até se arriscava a tomar banho de mangueira comigo. Se ela apreciava, não sei dizer, mas também nunca lhe dei o direito da escolha.

Um dia, Inha sumiu! Subi no muro e a busquei pelos telhados da vizinhança. Nada! Não estava na gaiola, no chão ou no jirau. Perguntei e minha mãe disse não saber dela, mas que eu devia ir estudar. Algo me fez supor que jamais a veria.

Meu pai pediu que fosse apanhar cigarros na bodega de Seu Nereu. No caminho, vi um garoto olhando o telhado da igreja. E lá estava Inha, deslizando entre as telhas inglesas.



Não acreditei no que vi.

Eu subir naquela altura? Não poderia! Estava acima das minhas possibilidades.

Padre Mariano, nem um pouco se mostrou amistoso ao abrir a porta da casa paroquial, localizada nos fundos da igreja. Cada vez que eu explicava, pouco ou nada o padre parecia entender. De tanto gesticular, fui ameaçado de um cocorote, punição habitual daquela autoridade com a criançada.

Dona Carmosa, vizinha da igreja e vendo minha aflição, veio tomar tino da situação. Corri até uma certa distância e apontei o telhado. A boa senhora trouxe o velho padre pela mão.

- Olhe ela lá, seu padre? Gritei.

Inha, até parece que só esperava o momento de se despedir. Ficou imóvel algum tempo, pareceu me olhar e de repente alçou vôo! Tive medo que ela desabasse daquela altura, mas suas asas não estavam cortadas. Seu voo era em linha reta, no sentido oposto de onde eu estava. Ela parecia saber estava voando em direção às baraúnas, local onde se concentrava a maior quantidade de árvores de grande porte, já fora da cidade.

Inha voava e cada vez mais se transformava em apenas um pequeno ponto no céu azul.

Ali fiquei. Dona Carmosa e o padre se afastaram conversando sei lá o quê. Mas eu fiquei ali. Olhava para o horizonte, limpava os olhos com a mão, mas Inha, eu não via mais. Naquele momento só um pensamento se apossou de mim:

- Inha não vai voltar! 

Enfim, neste fim de ano de 2011, minha mãe contou a verdade. Ela deixou as asas de Inha crescer e oportunamente a colocou na janela da rua. Deixou que um caminhão barulhento a assustasse. Ela tinha medo de barulhos de veículos pesados. E, um monstro de um caminhão baú não demorou a aparecer!

- E Inha fez o seu primeiro voo ...

Autor: Carlos Lopes - Olinda/PE

Publicado  dia 17/01/2012 : http://gandavos.blogspot.com/

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