sábado, 12 de novembro de 2011

Custódia minha segunda terra natal



Custódia é uma terra a qual me habituei querer bem. Ali passei os anos melhores da minha vida. Movimentei vários negócios do meu pai e lutei com muita gente e não tenho um inimigo. Nunca tive uma pequena tristeza com ninguém. Cheguei a ser grande amigo das duas maiores facções políticas da época, o Coronel Ernesto Queiroz e o Coronel Zuzu Pires, sem surgir da minha boca uma pequena conversa que desagradasse. Destas amizades nasceram outras grandes amizades. 

Sou amigo do Coronel Elídio Queiroz, de Dr. Ernesto Queiroz, de Zezita e Djalma, tabeliães. Fui amigo de Dodô Tenório, chefe político de Quitimbu, com muito prestigio no município todo, e pai de João Dodô. Fui amigo do velho Germano, pai de Raimundo, Joãozinho, Léo e Lucas que hoje é fazendeirão em Goiás. Fui amigo de Seu Mocinho Capitão, que tinha força de 10 homens e desatolava qualquer boi puxando-o do lamaçal. 

Certa feita o encontrei na “ilha” defronte da sua casa. Ele vinha do curral com uma lata cheia de leite e parou para conversar. Não pôs a lata no chão, manteve-a na forma que a conduzia pousada na sua mão enorme, parecia não ter pressa, pois ali passamos cerca de 15 minutos. As cercas de sua propriedade ainda hoje lá estão de tão grossas as madeiras e de tão fundos os buracos onde plantadas fora as estaconas. 

Fui caminhoneiro com Luiz Epaminondas que nos deu o homem público que é Luizito, deputado e prefeito de Custódia algumas vezes. Casado com a filha de Joaquim Pereira com Dona Corina, os melhores farmacêuticos da cidade. O meu grande amigo Manoel Lopes de Lima que morava na Várzea. Tinha sua fazenda dentro da cidade, comprava algodão e mantinha um posto de gasolina na estrada Central, defronte da venda de Chiquinho de Elizeu, onde eu fazia “ponto” para meus negócios tratados na cidade. Ali também aparecia muito Numeriano de Freitas, fazendeiro forte da região de Samambaia. Sempre com sua indefectível pasta preta de couro na mão. Aquela pasta, ele a abriu e mostrou-me: vivia cheia de carta de cobrança: 

- Tudo isso Inacinho é carta de cobrança – e sorria ridicularizando os idiotas que nele confiaram um belo dia. Dizem que Numeriano nunca pagou uma conta e nunca viu um boi no mato sem ferro para não colocar cavalo atrás e derribá-lo e ferrá-lo na botija. A demora era o fogo esquentar o ferro, que sempre matinha dependurado a garupa. 

Essa fama foi comprovada vergonhosamente. Certa vez que um seu vizinho e desafeto adredemente ferrara um garrote nas virilhas e Numeriano caiu com a boca na botija: ferrou o bicho e o delegado avisado constatou tudo na hora e no que deu uma espiada no entrepernas do animal e na sua garupa. Assim poderia continuar: Você não pode ver uma pessoa de Custódia que em dois minutos conversa não se lembre do “Inacinho do Sabá”, como todos me conheceram. 

Ainda hoje, sou muito grato de Alencar Cordeiro e de seus filhos, que possuem vários açougues aqui em Piedade e Boa Viagem, e que são além de filhos do meu grande amigo Alencar, são netos de João Cabrinha. Dr. José Veríssimo, filho e sobrinho de o Nozinho Amaral. Gérson de seu Amaro, Doce Pajeú, Nivaldo do Posto (Gonçalves) e tantos e tantos. 

Pois bem, eu nunca fiz amizades com interesse em nada. Gosto do povo de Custódia porque são todos muito bons. Ali conheço, como diz o matuto, tudo! “Pé de pau por pé de pau”. Assisti muita encrenca. Fui jurado de João Veríssimo quando julgado pela morte do soldado Joca. O advogado dele foi Eraldo Gueiros, anos depois Governador do Estado! 

Aí vem a grande coleção de amigos. Todos com o “Sangue quente”, pela raça de heróis a que pertence aquele povo do Sertão. Poderia continuar enchendo folhas de papel, mas o tempo é curto bem que merecem os outros, mas se assim o fizesse, esta crônica se assemelharia a uma lista telefônica e por isso peço aos que não enumerei o meu perdão e a promessa de que estarão sempre no meu coração. 

Mesmo temeroso pela delonga. Ai vai porque não podem deixar de ir: Delfino Henrique, Leite, Lúcia (minha comadre Lúcia), Nivaldo Gonçalves, Dona Maria, Seu Amaro (fabriquinha de confeitos, grandes, coloridos, embalados na mesona preta para se entranharem de açúcar cristal). Dr. Pedro Pereira e Noêmia, Joani, Necy Campos, Lourdes, ex-mulher do prefeito Gilu, sogra de Tofinho e mãe de Marlene, linda passeando na calçada da prefeitura á noite em que eu ficava sentado na calçada (fui seu vizinho) com os meus olhos pidões e esperançosos. 

Depois alguns dias largou inopinadamente o prefeito, atravessou a rua bem larga e foi morar na casa do outro lado, de fronte, com Lucas Germano, boiadeiro e jogador de todo jogo, do prado ao baralho. Foi o maior escândalo da cidade. A primeira dama amigar-se com um jogador. O romance só foi interrompido quando o amante assassinou o vizinho, farmacêutico Otacílio Pires que chamado de Otacílio, o Cego, era um homem muito bom e querido na terra. 

Depois disso a bela Lourdes foi morar com Zé Cabral, hoteleiro estabelecido na “bomba”. Essas vidas das mulheres mais belas de Custódia: Necy Campos, Lourdes, (Necy trabalhava no correio), filha de Izaias e ex-esposa de Zé Pageu, homão forte (corpulento) e que não tinha o dedão da mão esquerda, arrancado por uma bala 38 na hora em que, arrependido, o colocou para impedir que fosse atingida sua Necy, numa briga de ciúme. 

Creuza Pires, lindíssima esposa de Zezinho Pacífico que vivia de revelações fotográficas e dona do cinema de Custódia e foi assassinado por “Luiz Garfinho”, motorista do caminhão que atropelou uma galinha da bela mulher. Disso nasceu tudo. Zezinho perdeu a vida e os homens ganharam a mais coque das fêmeas Creuza, Necy, Lourdes, Severina de Luiz Lopes, Elvira Moura, Quitéria de Salu, Conrada da cor de chocolate, Marly Anunciada, que ainda hoje persegue meus sonhos de velho que sempre teve um coração muito jovem. 

Antônio Queiroz, Manoel Henrique, Dona Maria, Quitéria (mulher bonita demais) que nem a ferida da perna a impedia de ser glamorosa e sexy. Serra de Sabá, com sua água cristalina que não pesava no bucho. Com sua bica gostosa de se tomar um banho. Ainda me lembro do meu cabelo rangindo, soltinho e macio... Samambainha, Mandacaru, Sabá... 

O feijão de Luiz de Manuela de caroços meio duros como amendoins mal cozidos, farinha e caldo (gordura) de lingüiça espargido por riba... O cuscuz de milho zarolho ralados de madrugada. O fogo de lenha verdosa com sua fumaça fazendo meus olhos chorarem um choro doce de vida prelibando um dia que surgia acompanhado de cantos de galo e pássaros e decorado de raios dourados, ultrapassando as copas das árvores e bordando o chão e os capins e tudo o mais. Esta é a recordação que o coração guardou com o carinho de quem sofregamente as viveu. Tudo é saudade... e saudade do que foi bom fica gravado em nosso corações. 

Inácio Miranda foi muito feliz em Custódia!! 
Custódia, Santa Cruz e Piedade, 1951 a 1997

Crônica publicada no livro "O Céu queria clarear"


1 comentários:

Anonymous disse...

Numa publicação anterior, também sobre Inacio Miranda,informava um certo site paa aquiisição do livro.
Tentei o site, nem resposta me deram, também o telefone não atende.
Quero comprar estes livros.Se alguem souber como, que me ajude.
De antemão, agradeço.
Fernando Florencio
Ilheus/Ba

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