quinta-feira, 22 de março de 2012

Seu Né Marinho - Por José Melo



Por José Melo, com adendos 
de Vanise e Laíse Rezende 

Seu Né foi uma figura ímpar na história da Custódia de ontem, que participou efetivamente do seu desenvolvimento, nos primeiros sessenta anos do século XX. Nasceu em 15/09/1902, na Fazenda Tamboril, hoje integrada à área urbana do município, filho de Serapião Domingues de Rezende e Izaura Marinho (dona Dondom), que posteriormente residiram na cidade. 

De altura mediana, voz nasalada e postura elegante – jamais o vi sem o terno completo. Assumiu o tabelionato de Custódia substituindo o seu pai, que foi o primeiro tabelião da cidade. Era ainda jovem quando lhe foi outorgado esse importante cargo, tornando-se uma figura das mais respeitadas da sociedade custodiense de sua época. Sua esposa, dona Ester – da família Pires Ferreira de Tabira - era uma mulher simpática e inteligente, mãe de sete filhos, que sabia receber muito bem as autoridades e importantes correligionários políticos de Seu Né, em sua casa, situada ao lado direito da Igreja Matriz de São José. A inesquecível Tia Dona, irmã solteira de Seu Né, morava na mesma rua com sua mãe viúva, dona Dondom. Hoje, a antiga Rua Padre Leão, onde as duas famílias residiam, é chamada Rua Maria Marinho de Rezende, em homenagem a Tia Dona. Lembro-me que aos domingos ela saía apressada, com a fita da Irmandade de Maria e uma pequena Bíblia, para assistir à missa ou ensinar o catecismo que preparava as crianças para as cerimônias do crisma ou da primeira comunhão. Durante a semana, ensinava a um grupo de crianças, em um antigo prédio da paróquia, o mesmo em que, semanalmente, funcionava o cinema. 

O cartório de Seu Né ficava junto ao Bar Fênix, apenas separado por um longo corredor que dava acesso ao bar. O fórum funcionava na esquina da antiga Rua Padre Leão com a Av. Siqueira Campos (hoje Av. João Veríssimo), no mesmo local em que funciona, atualmente, a Biblioteca Pública Municipal Professora Zenilda Simões de Oliveira Burgos. Assisti a vários júris ali realizados. Adorava ouvir os discursos inflamados dos advogados e promotores. Seu Né era o escrivão. 

Figura muito respeitada ele era admirado por todos, especialmente pelos proprietários de terra. sítios e fazendas do município. Os mais pobres, que recebiam sempre sua atenção e orientação para resolverem problemas de terra, registros ou compra e venda de casas, costumavam trazer à sua residência, nos dias da feira, legumes e frutas, feijão verde, queijo de coalho, ovos e galinhas, para agradecer o que recebiam como um grande favor do escrivão. Ao mesmo tempo, era ele quem acolhia e orientava, com a sua longa experiência, os jovens e iniciantes promotores e juízes que atendiam na comarca. 

Na época eu era uma criança chegada há pouco tempo da zona rural. Causava-me admiração ver aquele senhor de modos fidalgos, gentil com todos e diferente da maioria dos homens da cidade - apenas ele e Seu Ernesto, político da época que foi prefeito da cidade, trajavam invariavelmente da mesma forma: passeio completo, como se dizia, o que significava que estavam sempre de paletó e gravata. 

Entre o cartório de seu Né e o cinema, ficava o Bar Fênix, que era o ponto chic da sociedade da época, quando Custódia não dispunha de nenhuma casa de diversão ou Clube - e que pertencera também a seu Né, anos atrás. Parece-me ver, lá atrás, o balcão, algumas mesas e a velha geladeira movida a querosene. Mais à frente as mesas de sinuca muito disputadas pelos jovens. Uma vez por semana – sempre na segunda-feira - funcionava um verdadeiro cassino: roletas, mesas de baralho, “esplandim”, “maior ponto”, praticamente todo tipo de jogo. Nesse dia a frequência era restrita ao povão. Já da terça-feira ao domingo, o bar era o point da sociedade custodiense de então. 

Entre um expediente e outro, o Bar Fênix recebia grande número de pessoas que, aproveitando o intervalo do almoço, iam saborear um aperitivo. Encontravam-se ali o coletor estadual, o agente do IBGE, o prefeito, o escrivão , enfim, a nata da sociedade frequentava aquele espaço. 

Recordo com imagens muito nítidas quando observava seu Né sentado à mesa do Bar Fênix, absorto em pensamentos, com uma cerveja que durava uma eternidade. Ao chegar, sentava, pedia a cerveja, enchia o copo calmamente e a cada gole limpava os lábios com o seu lenço impecavelmente branco. Gostava de ver quando ele tirava o seu pente e fazia gestos de pentear a cabeleira quase inexistente. Vi por vezes ele abrir a carteira para dar dinheiro a populares que o procuravam. Depois que pagava a conta, levantava-se calmamente e se dirigia a sua residência que ficava do outro lado da igreja, em frente ao Bar Fênix. Dali só retornava à tarde para o cartório. 

Quando Seu Né decidiu se aposentar e vender o cartório, sua família foi residir em Recife, mas ele ainda ficou algum tempo na cidade, trabalhando como “rábula” para defender, no fórum, pessoas que geralmente não podiam pagar a um advogado. 

Uma característica marcante de seu Né era a caligrafia. Ainda hoje, décadas depois de tê-la conhecido e admirado, sou plenamente capaz de reconhecer a letra de seu Né, por ser bastante original - nunca vi nenhuma outra parecida. Sua assinatura - Manoel Marinho de Rezende - era inclinada para a direita, uma marca da sua personalidade, e ainda hoje seria vista como uma assinatura original. 

Recordo que nos finais de semana formavam-se várias mesas, com praticamente toda a sociedade representada no Bar Fênix. Recordo pessoas como Seu Né, Chico Eugênio, Zé de França e outras. Entre causos e piadas, a conversa rolava solta. 

Naqueles tempos o jogo do bicho era permitido e Seu Né possuía a Banca Confiança, depois repassada para Duquinha - e que funciona até hoje. Para ganhar uns trocados fui cambista da Banca Confiança, na época passando jogo de casa em casa, nos bares e em outros pontos da cidade. Antes das quinze horas ia fazer a prestação de contas e por vezes quem estava conferindo as apostas e recebendo os talões era Beto, filho mais novo de Seu Né, hoje o engenheiro e empresário Herbert Rezende. Nas férias do colégio ele ajudava na banca instalada em uma casa próxima ao cartório, a qual algum tempo depois foi a residência de meus pais. 

Anos depois, quando exercia o cargo de Secretário da Prefeitura, sugeri ao então Prefeito Luizito, que na época estava construindo o novo fórum da cidade, que fizesse uma homenagem a Seu Né, designando aquelas instalações com seu nome. Apesar da tentativa de Luizito, o Tribunal de Justiça não atendeu a solicitação, justificando que o fórum seria designado com o nome de um juiz, que tinha trabalhado recentemente em Custódia e havia falecido. Assim, o fórum foi designado “Fórum Dr. Josué Custódio de Albuquerque”, morto em decorrência de acidente de trânsito na capital pernambucana. 

Enquanto residiu em Recife, com a família, Seu Né jamais deixou de se interessar vivamente por tudo o que acontecia em Custódia. Em 2002, já à proximidade da morte alguns meses antes de completar cem anos, seu médico, na intenção de alegrá-lo, contava-lhe sempre que havia passado por Custódia, que lá tinha chovido e a política ia muito bem. 

Por tudo que representou para a Custódia daqueles tempos, Seu Né merece o reconhecimento de todos - e aqui fica a sugestão aos nossos representantes no Legislativo Municipal: que se faça justiça, mesmo que tardia, a quem tanto contribuiu com a Justiça em nossa cidade – e que seja designado um logradouro ou uma edificação pública com o nome desse custodiense honrado e batalhador, cujos descendentes hoje, apesar de ausentes da terra, demonstram carinho pelo berço que os acolheu. 

4 comentários:

Anonymous disse...

Vanise,muito obrigado pelas palavras, e apenas uma pequena correção: não sou empresário, apenas um aposentado da Prefeitura da minha terra, que continua no batente em empresa privada, como consultor, na área de Licitações & Contratos.

José Melo

Anonymous disse...

Vanise,muito obrigado pelas palavras, e apenas uma pequena correção: não sou empresário, apenas um aposentado da Prefeitura da minha terra, que continua no batente em empresa privada, como consultor, na área de Licitações & Contratos.

Anonymous disse...

EU SOU MARCOS EUGENIO, FILHO DE CHICO EUGENIO, IRMÃO LOGICAMENTE DE JENOCA, PETRONIO E NILSON EUGENIO E MALA VÉIA E TIVE AINDA O PRAZER DE REENCONTRAR EM VIDA O NOSSO NÉ MARINHO AQUI EM RECIFE, UMA VEZ NA CALÇADA DO BAR SAVOI NO CENTRO DO RECIFE E TUDO QUE O SR. FALOU A RESPEITO DE CUSTÁDIA, PARECE QUE ESTOU VENDO E REVENDA CADA MOMENTO E CADA DIA EM QUE MOREI EM CUSTÁDIA NA RUA DA VARZEA, CASA JUNTO AO MESTRE LUNGA E BEM EM FRENTE A CASA DE ADAMASTOR, TEMPO BOM AQUELE, QUE PERECE DIZER O QUE ATAULFO ALVES DIA EM SUA CANÇÃO "EU ERA FELIZ E NÃO SABIA" QUANDO VIVIA PELAS RUAS DE CUSTÓDIA E SENDO PERSEGUIDO POR SARGENTO DEODATO PELO BECO DA DIFUSORA DUAS AMÉRICAS, DO TEMPO DOS DIAS DE FESTA DE FIM DE ANO, ANDAR NAS CANOS DA FESTA OU MESMO NO BRINQUEDO CHAMADO ONDA. FIQUE MUITO CONTENTE O SR. LEMBRAR O NOME DO MEUS PAI CHICO EUGENIO, TOMENDO UMA COM SEU NÉ MARINHO NO BAR FÊNIX OU EM OUTRO BAR QUALQUER DE CUSTODIA. MUITO OBRIGADO PELA LEMBRANÇA E VOU CONTINUAR LENDO TODOS OS SEUS ARTIGOS, QUE POR ACASO VENHAM E SER POSTADOS NO BLOG CUSTODIA QUERRA QUERIDA

Anonymous disse...

MArcos, citei o Sr.Chico Eugênio, a qeum por várias vezes servi nos bares onde trabalhei: Na Bomba, no bar de Joaquim Cabral, e no Centro, num bar que nem lembro mais quem era o dono. Depois que ele se mudou para Ibimirim, se tornou muito amigo de meu irmão Gilberto, seu companheiro de cervejas por muitos anos.Lembro bem de seus irmãos. Estudei com Nilson, no Padre Leão.Lembro nitidamente de Mala Véia, que na época era o mais "traquino", como se dizia de crianças peraltas. Um abraço, e espero postar mais alguns textos sobre a Custódia de ontem.

José Melo

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