sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Viva! Viva! O Bispo chegou


Lá pelos idos de 1965, a minha pequena Custódia agitou-se toda. A notícia impactante que o Bispo chegaria naquela cidade em poucos dias, espalhou-se e contagiou rapidamente toda aquela população urbana e rural. As aulas de catecismo foram intensificadas, agilizando-se a preparação das crianças para um acontecimento ímpar em suas vidas, fundamental e necessário a todo católico apostólico romano. O sacramento da crisma.

Chega o dia tão esperado por todos, principalmente para a criançada, que a todo instante comentava a respeito do Bispo. Para nós, era quase um Papa, pois, todo mundo que eu conhecia nunca tinha visto tal personalidade. A nossa imaginação fluía. Pensávamos em imagens cinematográficas, mas, naquele dia seria muito diferente, íamos vê-lo bem de pertinho. Criança questiona tudo. – Será que podemos tocá-lo?

- Como será a roupa dele?

Almocei rápido e já corri para a Praça Padre Leão, pois o dia era de festa. A organização da recepção à autoridade eclesiástica ficou a cargo do pároco local, o Alemão Padre Luiz Klur. Um senhor de cor quase vermelha, estatura mediana, gordo, com um cabeção redondo e careca, usava óculos quadrado e grosso e ainda tropeçava bastante na concordância da gramática portuguesa. Ele fez uma convocação aos proprietários de veículos da cidade, que se dirigissem à praça principal com os seus carros, e após concentração, todos partiriam cedo da tarde em procissão motorizada até a zona rural, onde ficariam posicionados em fila à espera da chegada do Bispo. A adesão ao pedido do Padre foi total. Todos os veículos da cidade estavam concentrados naquela praça, na sua maioria Jeep e Rural Willys, com destaque para o Ford 1929 de João Correa. Participar daquele evento era como pagar indulgências. Convoquei a turminha, que na época não era galera, para subirmos na carroceria da caminhoneta de Severino Pinheiro que se preparava para seguir o cortejo, mesmo esse não sendo muito simpático àquela molecada. Subimos eu, Antônio, Fernando José, Jefferson, Marcelo, Chico, Rui, Eli, Genival, lotação completada com alguns adultos. Os carros seguiram formando uma grande fila, serpenteando a estrada de terra e cascalho, tomando a direção sul do município, no sentido dos Distritos de Samambaia e Maravilha. Havia chovido bastante naqueles meses que antecederam o evento, deixando o sertão bastante verdejante. Observei que a estrada era margeada por cercas de varas enfileiradas e infindáveis, de onde alçavam voo, bando de passarinhos assustados com o ronco dos motores. Aquilo tudo era uma festa, pois, quase não saíamos da cidade. Não havia música, mas, o estampido de foguetões ocorria a todo instante. Depois de percorrermos uns quatro quilômetros naquela estrada vicinal, os carros iam parando, manobrando e tomando o sentido do retorno. Tudo saía dentro do planejado. O automóvel do Bispo chegaria em pouco tempo e em seguida, se posicionaria a frente do primeiro carro, puxando assim, todo o cortejo até a cidade em festa.

Não foram passando os minutos. Passaram-se horas e nada do Bispo dar as caras. Não tínhamos como inventar mais nada para compensar toda aquela ansiedade da espera. Brincamos de tudo. Não só as crianças, mas também os adultos impacientaram-se e muito, sendo necessária a intervenção de uma beata de alguma ordem religiosa presente, que ficou passando para lá e para cá da grande fila de carros, dando uma injeção de ânimo aos fiéis incomodados com tamanha demora. – Calma, gente! Paciência, irmãos! O Bispo está chegando, quem não é paciente não se salva! A ladainha era essa. O sol, que não esperava Bispo algum, tratou logo de se esconder lá prás bandas de Serra Talhada. Escureceu e toda aquela população emudeceu. Os apelos da beata já não eram correspondidos por mais ninguém. Sem falar, em dois alarmes falsos durante aquela tarde, quando, toda aquela gente concentrada foi traída pela passagem de uma Rural, que carregada com garajáus repletos de galinhas de capoeira, passou buzinando para todos. Horas depois, passa um Jeep com uma carga enorme de jerimuns, causando a impressão de que seria o carro do Bispo. O desânimo era total naquele local ermo e só iluminado com a luz vinda dos faróis dos veículos. Tudo isso, deu margem as conjecturas.

- Pode ter havido um acidente!
- Acho que o automóvel dele atolou!
- Floresta é muito distante pessoal, e na estrada tem muitas cancelas, ele vem!

Eu já havia perdido totalmente as esperanças de ver um Bispo, quando fomos atraídos pelos gritos vindos lá do término da grande fila de carros. “Viva”! “Viva”! O Bispo chegou! Foi uma gritaria geral, todo mundo relevou aquele atraso secular, derramando-se em alegria e júbilo, ou seja, houve uma transformação radical no estado das coisas. Fiquei atento e de olhos bem arregalados para ver o Bispo passar. Foi uma frustração, pois, o mais visível foram os pneus do Jeep, totalmente enlameados, quando este passou um pouco rápido ao meu lado, mas, pelo menos deu par ver a mão dele acenando para a multidão entusiasmada. Não me desesperei, pois iria ter a chance de vê-lo novamente na cidade. O cortejo segue à luz das estrelas e dos faróis, chegando finalmente à cidade em festa. Dar duas voltas em torno da Praça Padre Leão, sob os aplausos das pessoas que se localizavam em frente de suas residências, acenando bandeirinhas brancas e dando vivas ao Bispo. Quando o cortejo parou em frente da Matriz de São José, foi providenciada urgentemente uma cadeira de encosto bem alto, colocada estrategicamente na entrada da porta principal da igreja, onde o Bispo sentou-se para receber as honrarias e reverências das pessoas de destaque da cidade acolhedora e receptiva.

Corri, procurando um lugar que visualizasse melhor Vossa Reverendíssima e dei sorte. Fiquei a poucos metros dele e passei a fitá-lo, quase sem pestanejar, procurando captar todos os detalhes minuciosos do quase santo Padre. Percebi que ele tinha meias de cor vermelha, que combinavam com o chapéu pequeno e redondinho que ele usava na parte anterior da cabeça. A batina bem preta, com uma faixa larga na cintura, combinava também, com uma infinidade de botões de cor vermelha ou roxa. Indumentária, que dava um ar de imponência à figura do chefe diocesano. O impressionante, é que do dia seguinte, não guardei nada na memória, a não ser, o meu padrinho de crisma, que foi Zé Vital, casado com a minha tia Jandira. Do dia anterior, dois fatos se destacaram e ficaram bem guardados na minha memória: Dona Magda Quidute, esposa do chefe político da cidade, Dr. Orlando Ferraz, a qual tinha “status” de primeira dama, se dirigindo ao encontro de Vossa Reverendíssima sentado na grande cadeira que mais parecia um trono, e em sinal de respeito e reverência, se ajoelha e beija o anel do Bispo. O outro fato bem marcante foram os gritos efusivos daquela população à luz dos carros, gritando: “Viva”! “Viva”! O Bispo chegou! “Viva”! Viva”! O Bispo chegou!

Autor: Jorge Farias Remígio - João Pessoa/PB
jorgeremigio@gmail.com

Publicado em: http://gandavos.blogspot.com/

1 comentários:

Anonymous disse...

Jorginho.
Era assim mesmo.
Lembro-me bem das visitas de Frei Damião a Custódia,as quais, destituídas de quaisquer aparatos aconteciam sempre às segundas feiras, dia da feira.
Frei Damião deixava o Jeep guardado lá pras bandas da cadeia, descia a ladeira caminhando e abençoando os fiéis. Era um beija-mão sem conta.
A matutata acreditava que ele tinha vindo a pé não se sabe de onde.Alguns até criam que ele, Frei Damião, caira do céu.
Fernando Florencio
Ilhéus/Ba

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